quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ding dong

                Era uma noite chuvosa quando ele finalmente tocou a campainha. “Até que enfim”, ela pensou enquanto se levantava de um pulo do sofá e ia pentear os cabelos desgrenhados que já tinham desistido de esperar. Precisaria também trocar de roupa. Aquela camisa branca, larga, com aquelas marcas de suor embaixo do braço mostrava que ela já tinha perdido as esperanças em sua chegada. Já fazia tanto tempo desde que se separaram pela primeira vez... Colocou um sutiã. Tirou aquele shorts de time de futebol que fora de seu irmão. Vestiu a roupa nova que estivera a tanto tempo esperando naquela gaveta empoeirada.
                Pegou o perfume. O mesmo que ele lhe dera de presente de aniversário quando jurara que nunca iria embora. Se lembrou então de todas as promessas feitas. Todas quebradas. Do tempo que passara desde que trocaram o primeiro olhar na fila do supermercado. Já nem se lembrava mais do motivo que os tinha separado, tudo o que importava era que agora ele estava na porta. A lembrança de todas aquelas lágrimas derramadas a lembrou que já fazia algum tempo que não lavava o rosto. Pensou em passar um batom, o mesmo que manchara aquela taça de vinho do primeiro encontro. Tantos risos foram trocados entre o cardápio e a conta que ela realmente chegou a acreditar que seria feliz para sempre. Enquanto ele escolhiam a sobremesa, ela escolhia mentalmente o vestido de noiva, o lugar e os padrinhos.
                Achou melhor passar uma maquiagem para disfarçar toda a vida que o tempo tinha levado de seu rosto. Talvez até um colírio para dar um brilho artificial ao olhar opaco e cansado. A campainha tocou pela segunda vez. Não tinha tempo para isso.
                A casa estava toda revirada. Parecia que ninguém entrava ali há meses. E não entrava mesmo. Ninguém vivia ali. Ela só passava. Só existia. Só respirava. Esperando o dia em que nem isso fosse mais necessário fazer. Mas agora ele estava na porta. Passou por todas aquelas roupas e sacos de salgadinhos vazios, empurrando para trás da estante as latinhas de refrigerante amassadas e acendendo algumas luzes no caminho.

                _ São R$ 13, 60 – disse o entregador de pizza
                _ Ah.. só um momento... – e entrou para pegar o dinheiro.

                Quase que ele deixa as pizzas ali na soleira da porta como cortesia da casa e paga por elas com o próprio salário. Tinha pena daquela mulher. Já tinha ouvido pela vizinhança as histórias daquela velha que havia vivido anos cheios de felicidade, com aquele que parecia ser o grande amor de sua vida. Hoje, sozinha, não conseguia se lembrar que o tinha perdido há três anos atrás por uma crise de loucura após a falência dos negócios. Um tiro na cabeça dado no meio da cozinha, no meio do dia. Ele já não ligava mais pra nada. Ela o encontrou quando voltou da quitanda, pensando no prato preferido dele, que faria aquela noite para comemorar os 38 anos de casados e em tudo o que fariam depois. Superariam o problema financeiro.
                Os vizinhos ouviram gritos pouco depois que ela colocou os pés em casa. Eles a ouviram gritar o primeiro dia todo. Todos os dias da primeira semana. Até que depois de um mês não ouviram mais nada. Ela desistira de gritar e de viver. Só se arrastava. O único que ia até a sua porta era o entregador de pizzas, que sempre esperava muito até que ela finalmente o atendesse, bem vestida e perfumada. O olhar de decepção estampado em seu rosto todas as vezes que o recebia deixava claro que ela havia se esquecido. Que ela ainda esperava. Que ela estava sozinha.
                Deixou as pizzas no chão e foi embora. O preço que ela pagava já era alto demais.

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