quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Quando se fala com as estrelas...

      Sentada na grama úmida e gelada olha as estrelas. Eram muitas. Cada uma contava uma história. Eram  fatos de sua própria história. E todos começavam com "e se...". "E se tivesse aceitado aquele emprego e se mudado?...", "E se não tivesse se fechado tanto para o amor?", "E se tivesse perdoado?", "E se tivesse pedido perdão?". Eram tantas hipóteses. Tantas possibilidades. Tanto tempo perdido... Tanto vazio dentro de seus sonhos.
      Se tivesse parado naquela banca para pedir informação ao rapaz não teria se perdido e andado por duas horas sem nunca chegar a sua reunião agendada com o gerente do banco. Se não andasse olhando para baixo, teria reparado que o rapaz da banca não tirava os olhos dela enquanto ela passava. "E se ele fosse o grande amor da minha vida?" Uma estrela brilhou no céu.
      Outra estrela brilhou do outro lado e ela questionou o pensamento anterior. "E se, na verdade, o grande amor da minha vida fosse o Lucas", o cara em quem deu um fora alguns anos atrás por pensar que o amor dele não era perfeito o suficiente. "E existe algo perfeito? Quanto é o suficiente?" Mais tarde aprenderia que o amor tem pêlos, verrugas, espinhas e lugares que cheiram mal. Nada dá certo quando não se aprende a compreender, relevar e não exigir tanto. Tinha tantas expectativas desleais... Mais um ponto brilhou. Dessa vez era a lua refletida na lágrima que descia pelo seu rosto.
       E se não tivesse se importado tanto com o recém abuso de drogas de seu irmão e aceitado aquela proposta de emprego na Alemanha? "Tanta coisa poderia ter acontecido por lá..." No fim, não foi capaz de impedir que ele vendesse tudo o que havia na casa e sumido no mundo sem se importar com ninguém.
       Outros pontos brilharam no céu e ela pensou nos rumos que sua vida poderia ter tomado se não fosse o medo, se não fosse a insegurança, se tivesse coragem de dizer o que realmente quer, o que de fato pensa. "E se tivesse dito não?", "E se tivesse dado mais atenção ao que disse minha mãe?", "E se tivesse perdoado meu pai?", "E se não tivesse emprestado aquela grana que seria a perdição do meu grande amigo?". Tantas frustrações... Ficou ali por horas contando todas as histórias que poderiam ter sido, tudo o que não foi.
      E agora já havia deixado de acreditar. Havia jogado fora todas as chances. Estava velha. O peso de seus 40 anos fazia um risco fundo ao redor de seus olhos. Eram os 40 anos ou era a tristeza da vida que nunca tivera? Agora chorava porque não tinha mais jeito, já havia perdido tudo. Estava sozinha. Na sua vida não havia mais ninguém. "E se eu desistisse agora?"
         ...
       Então uma outra estrela apareceu no horizonte. Era uma estrela nova, brilhava pela primeira vez. Ela estava com raiva! Mandou que a mulher se levantasse! Disse pra ela: "e se você voltar e pedir perdão? E se conhecer novas pessoas? E se construir um grande amor? E se investir na carreira profissional que realmente ama? E se tentasse mais uma vez?" A estrela estava tão brava que sua cor foi ficando meio alaranjada. A mulher ficou com medo. Sempre recuava quando lhe olhavam diretamente assim, com a cara fechada. Mas começou a pensar em tudo o que a estrela lhe dissera... Até que fazia sentido. Até que tinha razão. Afinal, enquanto houvessem dias para viver, poderia haver uma nova chance. Se levantou.
      "E se eu tivesse esperança de novo?"

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ding dong

                Era uma noite chuvosa quando ele finalmente tocou a campainha. “Até que enfim”, ela pensou enquanto se levantava de um pulo do sofá e ia pentear os cabelos desgrenhados que já tinham desistido de esperar. Precisaria também trocar de roupa. Aquela camisa branca, larga, com aquelas marcas de suor embaixo do braço mostrava que ela já tinha perdido as esperanças em sua chegada. Já fazia tanto tempo desde que se separaram pela primeira vez... Colocou um sutiã. Tirou aquele shorts de time de futebol que fora de seu irmão. Vestiu a roupa nova que estivera a tanto tempo esperando naquela gaveta empoeirada.
                Pegou o perfume. O mesmo que ele lhe dera de presente de aniversário quando jurara que nunca iria embora. Se lembrou então de todas as promessas feitas. Todas quebradas. Do tempo que passara desde que trocaram o primeiro olhar na fila do supermercado. Já nem se lembrava mais do motivo que os tinha separado, tudo o que importava era que agora ele estava na porta. A lembrança de todas aquelas lágrimas derramadas a lembrou que já fazia algum tempo que não lavava o rosto. Pensou em passar um batom, o mesmo que manchara aquela taça de vinho do primeiro encontro. Tantos risos foram trocados entre o cardápio e a conta que ela realmente chegou a acreditar que seria feliz para sempre. Enquanto ele escolhiam a sobremesa, ela escolhia mentalmente o vestido de noiva, o lugar e os padrinhos.
                Achou melhor passar uma maquiagem para disfarçar toda a vida que o tempo tinha levado de seu rosto. Talvez até um colírio para dar um brilho artificial ao olhar opaco e cansado. A campainha tocou pela segunda vez. Não tinha tempo para isso.
                A casa estava toda revirada. Parecia que ninguém entrava ali há meses. E não entrava mesmo. Ninguém vivia ali. Ela só passava. Só existia. Só respirava. Esperando o dia em que nem isso fosse mais necessário fazer. Mas agora ele estava na porta. Passou por todas aquelas roupas e sacos de salgadinhos vazios, empurrando para trás da estante as latinhas de refrigerante amassadas e acendendo algumas luzes no caminho.

                _ São R$ 13, 60 – disse o entregador de pizza
                _ Ah.. só um momento... – e entrou para pegar o dinheiro.

                Quase que ele deixa as pizzas ali na soleira da porta como cortesia da casa e paga por elas com o próprio salário. Tinha pena daquela mulher. Já tinha ouvido pela vizinhança as histórias daquela velha que havia vivido anos cheios de felicidade, com aquele que parecia ser o grande amor de sua vida. Hoje, sozinha, não conseguia se lembrar que o tinha perdido há três anos atrás por uma crise de loucura após a falência dos negócios. Um tiro na cabeça dado no meio da cozinha, no meio do dia. Ele já não ligava mais pra nada. Ela o encontrou quando voltou da quitanda, pensando no prato preferido dele, que faria aquela noite para comemorar os 38 anos de casados e em tudo o que fariam depois. Superariam o problema financeiro.
                Os vizinhos ouviram gritos pouco depois que ela colocou os pés em casa. Eles a ouviram gritar o primeiro dia todo. Todos os dias da primeira semana. Até que depois de um mês não ouviram mais nada. Ela desistira de gritar e de viver. Só se arrastava. O único que ia até a sua porta era o entregador de pizzas, que sempre esperava muito até que ela finalmente o atendesse, bem vestida e perfumada. O olhar de decepção estampado em seu rosto todas as vezes que o recebia deixava claro que ela havia se esquecido. Que ela ainda esperava. Que ela estava sozinha.
                Deixou as pizzas no chão e foi embora. O preço que ela pagava já era alto demais.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Me diga de onde vens e eu te direi quem és

      É, não é bem assim o ditado, mas essa adaptação tem tudo a ver com o sentimento do dia. Parece que quanto mais a gente sabe de nosso origem, mais sabemos sobre quem nós somos. E isso nos capacita melhor a escolher de maneira consciente quem queremos ser e onde queremos chegar. 
      É como pegar um mapa. Você pode estar preocupado apenas tentando encontrar o seu destino. Mas é impossível traçar a rota se você não souber de onde veio e onde está. Tudo o que você vai conseguir é apontar um ponto no mapa, mas será incapaz de saber qual é o percurso. A primeira lacuna de todo "Google maps" que se preze é "origem: ___________". 
     Acho que com a vida funciona mais ou menos da mesma forma. Fica difícil planejar ou pensar em um futuro, ter sonhos, traçar metas e escolher alvos, se você não consegue ligar o ponto final até o ponto em que você está. E a melhor maneira de se encontrar é começar a procurar no "mapa" o lugar de onde você veio pra refazer o caminho e entender melhor quem você é. Será que tudo isso faz sentido pra você?
      Talvez você esteja se perguntando o motivo de eu estar dizendo essas coisas. Tudo bem, eu já vou explicar. É que aconteceu algo extraordinário! Extraordinário em dois sentidos: foi muito legal e foi totalmente fora do script. Meus pais estavam se desfazendo de uma espécie de armário que ocupa a nossa sala desde que eu me entendo por gente. Talvez desde que eles se casaram (e faz tempo, hen?). E aí muita coisa foi revirada. Algumas acabaram no lixo, outras foram doadas. Mas algumas serão guardadas com preciosidade. 
      Acharam coisas engraçadas como a colherzinha torta que minha mãe usava pra me dar papinha e uma carteira cheia de dinheiro falso que fazia minha felicidade quando eu era criança. Uma lousa que ainda continha minha última "aula" dada pra Marina, ou para os bonecos, quando eu já era professora muito antes de concluir as séries iniciais do Ensino Fundamental. Quem diria que eu iria acabar fazendo da brincadeira a minha profissão... 
     Mas NENHUMA dessas coisas foi tão gostosa de achar quanto a descoberta feita pela minha mãe. Ela encontrou um caderno antigo, com a primeira e a última folha rasgadas. Sem capa. Se recolheu com ele no fundo do quintal e ficou ali a tarde toda. No inicío da noite apareceu no meu quarto com o presente mais maravilhoso que eu já ganhei. O tal caderno era um diário dela. Sua primeira página data de 21 de janeiro de 1987, já de madrugada, quando ela, ansiosa, não conseguia dormir pensando que na manhã do dia seguinte faria o teste de gravidez. O teste que me revelou pela primeira vez. A data final do diário, na última folha do caderno, é 10 de março de 1988, quando eu já estava para fazer 6 meses. Entre uma data e outra, folhas e mais folhas repletas de uma história que é a minha história, linhas que guardaram todas as lágrimas que eu derramei emocionada ao me encontrar ali, ao reviver com meus pais todas aquelas emoções. É um sentimento indescritível! Inexplicável! Olha, eu AMO ler!! Desde antes de saber ler e fingia que sabia para inventar mil histórias para o meu irmão e o meu primo, apontando para os desenhos nos gibis. Nunca mais parei. São livros e mais livros por ano. Histórias sem fim. Mas esse diário foi o mais lindo que eu li. Esse diário é o começo da minha história.
      Foi extremamente emocionante acompanhar essa trajetória, ver a alegria, os temores, as dúvidas... Os preparativos, a escolha do nome, as idas ao médico... E naquela época, mesmo no 6º mês de gravidez a médica não sabia dizer ao certo o sexo do bebê. Minha mãe escreve que era um segredo de Deus e do nenê. Pode parecer bobo, mas me senti especial por guardar um segredo assim, que trazia tanta expectativa. Ela dizia no primeiro momento que sentia que era uma menina hihihi Muito legal ver toda a família na torcida. Meu pai entusiasmado. A luta para conseguir um emprego melhor, para comprar as coisas. Foi uma história deliciosa de acompanhar.
      E deu até medo em alguns momentos. Como quando eu me virei e me posicionei para nascer ainda em julho, mas estava em uma posição meio estranha. Minha mãe expressa sua angústia com a possibilidade de eu estar sofrendo de um jeito tão vívido, que juro que fiquei angustiada também, mesmo 24 anos e meio depois. Mesmo sabendo que ficaria tudo bem. Engraçado, né?
      Foi gostoso acompanhar a história dos meus pais. Acompanhar o meu nascimento, as primeiras contrações, a dor do parto (que medo!), a descoberta de que era uma menina! Ganhar um nome. Uma identidade. Ter registrado os primeiros sorrisos, a primeira doença, a primeira papinha, as primeiras palavras. O entusiasmo, alegria e amor dos meus pais a cada gracinha que eu fazia. Aprender a sentar. Estar atenta a tudo. Está tudo registrado pelo punho de uma mãe de primeira viagem que estava curtindo absurdamente tudo isso!
      Cada visita foi registrada. E é muito louco ver que eu conheci antes de ter dentes alguns dos amigos que tenho ainda hoje, e que não tinham dentes naquela época também.
      Sabe como é se sentir amado? Então, você pode achar meio bizarro ou idiota, mas foi assim que eu me senti acompanhando minha própria história. Vivendo emoções que já se foram, ressuscitando algumas das que já tinham morrido... Pensa em algo maravilhoso. Se sentir amado, querido, desejado só pode ser descrito como maravilhoso. E, nesse momento da minha vida, para mim foi crucial me sentir assim. Esse diário caiu dos céus no meu colo. Presente de Deus.
      E aí, parece que eu sei melhor sobre quem eu sou, porque eu conheço melhor a história da minha origem. Conheço um pouco mais a história daqueles que me geraram. Sei melhor meu contexto. Sei de histórias que já se tinham perdido no tempo e nas frustrações da vida. Isso me ajudou a me encontrar um pouco mais, a fazer mais um pedaço daquele traço no mapa que eu falei no começo. E o que acontece com quem anda com um mapa melhor traçado na mão? Tem mais segurança para seguir adiante. E é assim que eu me sinto hoje. 



Sugestão de música da Lilah para o post, diretamente de Fortaleza: Mapa-múndi (Thiago Pethit)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Aquela coisa estranha que começa com a... Amizade!

      Existem milhões de belos textos, poemas, canções, histórias e relatos sobre amizade. Dos mais belos escritores e artistas, e dos não tão belos assim. E houve até mesmo quem com uma foto conseguiu traduzir sua essência. O que mais eu poderia dizer? Nada. Nada seria tão inspirador e tocante quanto tudo o que já foi dito antes. E mesmo assim pessoas continuam tentando escrever e falar sobre isso no mundo inteiro, o tempo todo. É que falar de amizade é algo que acalenta o coração, pois quem não se sente a cada dia grato pelas pessoas que pode chamar de amigo, perde todos os dias algo que ajuda tudo isso a valer a pena.
      Hoje eu não quero contar história nenhuma. Dessa vez eu só queria expressar minha gratidão por todos os que estão ao meu lado (fisicamente ou não) fazendo dos meus dias, dias mais leves. Nosso fardo é pesado, e tem hora que dá vontade de desistir. Tem hora que dá vontade de chorar ou de sair correndo. De chutar tudo ou de se esconder do mundo embaixo do tapete da sala. Cada um tem um jeito de agir quando está cansado, mas todos, ocasionalmente, se cansam. E nessas horas faz toda a diferença perceber que não está sozinho no seu problema, no seu mundo ou na sua canseira. É muito bom receber um cutucão de quem te olha com amor e diz "vamô lá! vamô lá!". Se você não tem pessoas assim ao seu lado, não sabe o que está perdendo.
      Eu posso me gabar e encher a boca pra dizer que tenho alguns amigos assim. Poucos, e cada vez menos. Mas sempre, e cada vez mais, verdadeiros. E o melhor dos meus amigos é que eles são completamente diferentes uns dos outros. Antes eu tentava eleger o "tipo mais proveitoso" de amigo. E foi assim que eu percebi que todos eles são essenciais em suas diferenças. É como se eles se complementassem para formar algo maior, e eu sou a Magali das amizade, gulosa, não quero excluir nenhum. Não enquanto eles mereçam ficar. Porque amizade é uma conquista que precisa ser cultivada sempre.
      Sempre tem aquele amigo mais besta com quem você gasta horas falando bobagem. Ele conhece suas piores histórias e você conhece as dele. Todas as desgraças, de repente, se tornam engraçadas em uma conversa entre vocês. E tem dias em que você não vê a hora de encontrá-lo só pra jogar conversa fora.
       Tem aquele amigo mais perdido, mais confuso, que precisa falar pra organizar as ideias e fica falando o tempo todo sobre os mesmos assuntos enquanto está apenas tentando se encontrar. Ele é tão especialista em andar em labirintos que, quando você estiver meio perdido também, ele com certeza vai te ajudar a andar pelos corredores da sua dúvida até encontrar a saída.
      O amigo mais duro que finge não se importar tanto com suas crises pra ver se assim você desiste delas, se levanta e segue em frente. Ele pode até fingir, mas qualquer grito mais forte seu, ele vai ser o primeiro a chegar pra socorrer. 
      Não dá pra esquecer daquele amigo que ignora suas fraquezas e acredita em você, mesmo quando você mesmo não bota tanta fé em si mesmo. E aí ele te dá um gás incrível e sua força de vontade é tanta que você acaba contagiado e, quando vê, também passa a acreditar e se desenvolver.
      Tem aquele amigo que está sempre atento a cada necessidade sua, mesmo quando você acha que ninguém notou. Quando começar a brotar aquela primeira lágrima de dentro do coração, ele já vai estar com o lenço do seu lado, esperando ela cair. Quando te der vontade de rir, ele já vai estar gargalhando. Esse é bom pra te ajudar a se entender e a seguir em frente pelo caminho que você realmente quer, ali no fundinho do seu ser.
       O amigo que conhece a tristeza escondida em cada sorriso, a incerteza escondida em cada olhar, a boa intenção escondida atrás de cada falta, a vontade de morrer de rir escondida em cada cara séria. Enfim, o amigo que conhece você, mesmo quando está escondido atrás de qualquer outra coisa. E te entende, te aceita e te ama assim mesmo. O que te ajuda a também fazer o mesmo por você.
      Existem amigos diversos. Cada um te ama de um jeito, cada um demonstra de uma forma e a maioria deles não mediria esforços por você. E isso é o que é legal na amizade. É a parceria, a cumplicidade, a disposição, a lealdade. É sentir tudo isso no olhar, no colo, no abraço. É cada conversa, cada segredo compartilhado e guardado, cada plano infalível elaborado, cada história dividida e vivida. Cada choro que virou risada. Cada gargalhada que acabou em lágrimas. Cada confidência. Cada programa de índio que acabou sendo muito divertido. Cada frustração. Resumindo, é cada coisa vivida com alguém. É saber que não está sozinho. Mesmo quando você se tranca no quarto deprimido e diz que não quer ver ninguém, é saber que ele vai estar ali. E no fundo, torcer pra que realmente esteja.
      Amizade é isso. É tudo. É um pouco de cada coisa que eu não disse. É o todo que se sente. Um amigo é um irmão que a gente escolheu, e todas essas outras coisas que a gente já ouviu. É ter quem te ofereça um copo de água pra refrescar o calor do dia.
      Amigo é aquele com quem para ter um bom dia junto não é preciso nada mais do que duas cadeiras. E, as vezes, nem das cadeiras precisa.
    Obrigada a todos os meus amigos. De todos os tipos. Os de longe e os de perto. Sem vocês o meu mundo já teria desmoronado há muito tempo. 
      Sinceramente.


Faith On Lizards Restored

(Gostei desse negócio de colocar imagem. Acrescentei uma ao post passado e meio que deu um tchan! rs)

domingo, 22 de janeiro de 2012

Quando se opta pelo medo

      João gostava de Luiza, que gostava de João. É, simples assim. A Luiza não gostava do Pedro, que gostava da Camila, que gostava do Ricardo, que gostava do João do começo da história. Ou que era um solteirão convicto que já tinha feito sofrer a Luiza, a Camila, a Ana Paula e a Patrícia. Não. A coisa era realmente bem simples: João gostava de Luiza, que gostava de João. Bom, era pra ser simples, né? Mas não foi bem assim. 
      É que o João tinha medo. Tinha medo da Luiza. Pensava nela o dia inteiro, no seu jeito de rir, na fita que ela usava no cabelo... Mas quando não estava fantasiando em como esse amor seria bom se ele não tivesse medo, estava pensando nas 35 formas de fora que ela daria nele se ele chegasse nela. Sonhou 27 vezes com o olhar de desprezo que ela lhe daria. Pensou por tardes inteiras em todas as palavras avassaladoras que ela diria a ele. E em como riria da cara dele. Ou simplesmente lhe daria um belo tapa na cara e sairia correndo. João tinha tanto medo de Luiza que não percebia o quanto ela gostava dele. 
      Certo dia de abril, João acordou decidido a vencer o medo. Penteou o cabelo pra trás, colocou seu all star azul e comprou uma rosa do seu amigo florista que o ouvia desabafar suas desilusões desde muito tempo. Foi até a casa de portão de grade e ficou em frente a janela dela. Então olhou pra si mesmo e sentiu vergonha. Se achou ridículo! O que ela iria pensar quando o visse ali parado com uma rosa na mão? E de all star? O que ele ia falar? Ia começar a gaguejar, ela faria aquela cara de desprezo e fecharia a porta correndo. Não, não ia se humilhar dessa forma. Quem é que se sujeita a esse tipo de situação? João foi embora. João tinha medo.
      Luiza não aguentava mais esperar pelo belo dia em que João iria aparecer na porta de sua casa, com aquele all star azul que ela gostava tanto, com aquele jeito sem graça e meio gaguejando, e dizer pra ela o quanto a amava. Mera ilusão. Ela sempre achou que João a achava estranha, e por isso fugia dela. Será que ela cheirava mal? Ou se vestia de um jeito engraçado com aquela fita no cabelo? "O que ele iria pensar se soubesse o quanto gosto dele? Ia me achar ridícula, com certeza". 
      O tempo passou... Meses, anos. Luiza já não tinha mais esperanças em João. Já tinha sofrido demais. Estava cansada de vê-lo passar reto por ela, nunca responder suas mensagens, nunca aceitar seus convites para as festas que fez em sua casa, olhá-la daquele jeito estranho, com algo escondido no olhar... Estava machucada por achar que ele pudesse a odiar tanto assim. Decidiu seguir em frente. Não que essa seja uma decisão tão fácil de ser posta em prática, mas, como eu disse, o tempo passou. 
      Apareceu o Carlos, que não tinha medo de Luiza e nem de mulher nenhuma. Carlos conquistou o seu coração, lhe deu segurança, lhe declarou todo o seu amor. Carlos era um cara ótimo! Já que o João nunca ia gostar dela, Luiza achou que era uma boa oportunidade de esquecê-lo de vez. Começaram a namorar. 
      João disse para o seu amigo florista que estava certo desde o começo. Luiza nunca olhara pra ele e por isso agora estava com Carlos, que era tão diferente dele. Ele nunca teria chance. Teria se machucado se a tivesse chamado no portão aquele dia. "Viu? Eu estava certo!"
      O coração de João doeu todas as 52 primeiras vezes que viu Luiza e Carlos juntos andando de mãos dadas na sua frente. Então, ele também decidiu que era hora de seguir em frente. E o tempo passou. Luiza e Carlos se casaram e João engravidou a Thaís, sua amiga de infância que vivia pedindo uma chance com ele. Algum tempo depois, Luiza engravidou também. João e Luiza tiveram filhos no mesmo ano. Ele, uma linda menininha. Ela, um menino forte. 
      Cinco anos depois, os dois se cruzaram na rua enquanto voltavam pra casa depois de comprarem um presente para os filhos. Primeiro, pensaram em uma desculpa para desviar o caminho. Depois pensaram em fingir que não se conheciam. Mas concluiram que o melhor era uma rápida conversa de "como vai você? Bem! Nossa, e esse tempo?". Seguiram em frente depois, cada um para sua casa e para sua vida. João levava de presente para sua filha uma linda fita de cabelo. Luiza levava para o seu filho um pequeno all star azul.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Das últimas coisas

Como é estranho. Parece que nossa emoção funciona sempre ao contrário da razão, só pra sacanear. Fiquei o ano passado todo morando fora, morrendo de voltade de voltar pra velha casa. E agora que finalmente aconteceu, percebi que me dói sair dali. Hoje fui buscar minhas últimas coisas e dar uma última olhada na casa. Tinha me preparado para render graças por finalmente sair de lá. Mas... conforme andava pelos cômodos, parece que minha mente resolveu reviver todas as coisas que se passaram comigo enquanto morava ali. Foi só um ano? Sim, só um ano. Exteriormente pouco aconteceu. Mas, com certeza, foi o ano em que mais coisas aconteceram dentro de mim. E foi por aqueles cantos que chorei, que gritei, que quebrei coisas, que cantei e dancei sem que ninguém visse ou soubesse. (Com exceção do vizinho, talvez. Me desculpe por isso rs). Foi onde realmente aprendi a cozinhar, e pra isso quebrei o fogão uma vez tentando lavá-lo e sujei a parede de óleo tantas outras. E realmente aprendi a cuidar de uma casa. Bom... realmente acho que aprendi.
Foi sentada naquela varanda que questionei a vida e a morte, as crenças e a falta de fé. E foi olhando pro céu daquele quintal que eu agradeci a Deus por me mandar as estrelas. Pode parecer idiota agradecer pelas estrelas. Talvez seja. Mas naquela cidade sem prédios, com um céu tão limpo, olhar para aquelas estrelas era um espetáculo que sempre achei digno de gratidão. Até porque ali eu só podia falar com Deus.
Foi o ano em que amei e desisti de amar. O ano em que eu descobri que nunca tinha amado na verdade. E o ano em que eu abri mão de tentar. E abri mão de tanta cobrança. Foi o ano em que chutei o balde, destruí tudo. E foi o ano em que comecei a reconstruir quem eu sou. Ali, olhando para aquelas paredes, contando os pisos no chão. Um ano sem televisão nem internet. Sem amigos por perto. Sem nada pra fazer. Foi o ano em que inevitavelmente precisei olhar pra mim e, sem querer, começar a me encontrar.
Foi o ano que mais doeu. Foi o melhor ano da minha vida.
Paguei o último aluguel, tive minha última conversa com o proprietário, paguei as últimas contas (atrasadas) e peguei as últimas coisas que tinha deixado pra trás. Arranquei os adesivos da parede, e parte da parede junto. Doeu meu coração. Parecia que era ele que eu estava rasgando. Parecia que ele estava ofendido por ser obrigado a deixar um lugar onde ele viveu tantas coisas. Ou talvez fosse só meu bolso reclamando de ter que comprar tinta pra repintar a parede. Vai ser como apagar dali tudo o que eu vivi para que outra pessoa venha viver outras coisas. É idiota se sentir ofendido com isso? Talvez eu seja idiota, afinal.
Liguei pela última vez pra Telefônica pra reclamar mais uma vez de outra conta que chegou cobrando por serviços que nunca foram prestados, e que eu havia pedido desde o começo do ano. E cancelado umas duas vezes (sem resultado).
Mas o que mais me doeu foi abrir um pote e achar um último pedaço de cebola que havia ficado esquecido. Claro, ele havia brotado e estava cheio de ramos e raizes. Dei risada, é claro, pois TODAS as minhas cebolas e alhos brotaram esse ano. Nunca dava tempo de consumi-los inteiros. Resolvi plantar pela última vez uma cebola no quintal de casa, mesmo que eu nunca tenha tempo de vê-la crescer e nem possa cuidar dela. Peguei emprestada a enxada do vizinho e cavei um buraco, onde plantei pela última vez uma cebola naquele quintal. E foi ali, toda suja de terra que eu sorri, olhei pra casa, e me dei conta pela primeira vez de como eu vou sentir falta daquele lugar.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Poesia de segundos

Ela olhou para ele.

Ele estava sorrindo para ela.

Ela o amou.

Ele não reparou.

Ela se aproximou.

Ele se distraiu.

Ela chegou.

Ele saiu.

Ela quis.

Ele não viu.

Ela tentou.

Ele estava ocupado.

Ela esperou.

Ele esqueceu.

Ela chamou.

Ele não ouviu.

Ela chorou.

Ele não sentiu.

Ele olhou.

Ela partiu.


Ele chamou.

Ela não quis.

Ele sangrou.

Ela sorriu.

Ele buscou.

Ela já não estava mais.

Ele chorou.

Ela não viu.

Ele tentou.

Ela esqueceu.

Ela voltou.

Ele partiu.


Ele superou.

Ela seguiu em frente.

Ele se curou.

Ela encontrou outro amor.

Ele vive a vida dele.

Ela vive a vida dela.

Ela sente a falta dele.

Ele sabe que não é feliz sem ela.